diluindo a confusão no ondular

O Obstáculo é o Caminho

Simplificando e indo à raiz das coisas podemos compreender o que antes nos parecia confuso.

O cérebro humano é, segundo o que sabemos, a estrutura mais complexa no nosso Universo conhecido. Logo o comportamento humano é igualmente dos mais complexos padrões existentes.

Somos especialistas em complexidade e paradoxos.


Descobrimos vacinas, prolongámos a vida, inventámos computadores, enviámos sondas espaciais a outros planetas e até cometas. Feitos que parecem ser o reflexo de uma inteligência refinada.

No entanto, onde mais importa, no chão que pisamos, podemos ver a nossa verdadeira natureza. Podemos ver que a maior parte do nosso comportamento não corresponde a uma inteligência refinada. O nosso comportamento reflecte antes o que de mais rudimentar se esconde dentro de nós.

Observando o padrão do nosso comportamento e viajando à raiz do nosso ser, encontramos uma força dentro de nós que obedece a um padrão muito simples.

É uma sede, um desejo, um querer, uma ânsia, uma necessidade de viver, um impulso para a Vida.

O seu padrão de comportamento mais simples é este: fugir da dor e desconforto, procurar o prazer e conforto.

Todas as nossas acções desde o início dos tempos tiveram e têm como base este impulso.

A nossa programação tem como base esta ordem e não podemos fugir dela, desligá-la ou ignorá-la.

O melhor que podemos fazer é transmutar essa dor e desconforto. Ou seja expandir a nossa zona de conforto até incluir nela os nossos obstáculos.

Não é algo que possamos fazer de um dia para o outro e não existe um fim à vista ou um objectivo definido. Antes é uma forma de viver em que a enfâse é colocada no processo e não em objectivos.

O lado negro da humanidade é como uma sombra da relutância em darmos este passo. O nosso egoísmo, ganância, intolerância existe porque nos agarramos ao que nos dá a sensação de segurança. Tudo o que não está incluído na nossa realidade conhecida e previsível que nos trás a certeza de que o dia de amanhã vai ser igual ou melhor que o de hoje, é rotulado como um obstáculo a evitar ou a eliminar.

Todas as nossas religiões e ideologias existem porque o ser humano precisa de um mapa mental que lhe traga conforto a vários níveis. Para começar a satisfação das nossas necessidades mais imediatas como comida, roupa, casa, trabalho, dinheiro. Depois vêm necessidades mais subtis como afecto, amizade, partilha, até chegar à necessidade de fazer sentido da nossa existência.

Muitas crenças religiosas e ideologias politicas tentaram corresponder a estas necessidades. Mas na sua base a origem é a mesma.

Independentemente do nosso passado, cultura, genética etc. todos temos as mesmas necessidades e todos estamos a tentar satisfazê-las. Mudam apenas as estratégias para para as satisfazer. Somos todos apenas um cérebro humano a tentar sobreviver neste Universo.

Se dermos ênfase às nossas estratégias e à necessidade de conforto, vamos recuar e ficamos mais longe uns dos outros, porque só vamos ver as diferenças que nos separam. Vamos assim estagnar, e contribuir para a perpetuação de sistemas sociais e percepções que nos separam uns dos outros e mantêm a atitude geral de egoísmo e uma sensação de escassez.

Se por outro lado colocarmos de lado as nossas diferenças, tendo em conta que do outro lado se encontra alguém com as mesmas necessidades que nós e se tivermos a coragem para dar um passo em frente em território desconhecido, fora da nossa zona de conforto, poderemos nessa viagem encontrar o outro. E ao encontrar o outro encontramos nós mesmos disfarçados de outro algures no tempo e no espaço.

O que eu estou a escrever é claro um ideal. E ideias raramente encontram um reflexo perfeito na realidade. Pois esta é caótica, incerta e em constante mudança, como a superfície do oceano.

Nesta viagem em que vivemos o obstáculo como o caminho em si, falhamos muitas vezes e sofremos. Estamos a ir contra o nosso condicionamento social, contra a sociedade, e especialmente estamos a ir contra nós mesmos: os nossos processos mentais, hábitos, crenças, emoções, impulsos. Por vezes sentimo-nos isolados.

Então porquê embarcar nesta viagem se é tão difícil e nem sequer há um destino?

Porque, na minha opinião, é o melhor que um ser humano pode fazer enquanto caminha na terra. Porque acho que só teremos um futuro se tivermos a coragem de o fazer.

Aquilo que tememos e nos causa desconforto, quando compreendido, aceite e vivido, traz-nos uma sensação de realização e liberdade, que a gratificação, o esquecimento, o prazer sensorial e sexual nunca poderão dar. É uma leveza que não depende tanto de condições externas, não depende de momentos de extâse, não fica preso na memória seduzindo-nos a repetir a experiência. Antes é uma sensação livre do tempo e de condições que nos pode elevar da nossa condição humana mais crude e nos dá mais força e confiança. É algo que se torna mais familiar e profundo à medida que envelhecemos.

Encontrar essa liberdade implica olhar de frente o nosso lado mais negro: a nossa dor e medo. Não fugir dele, mas admití-lo, vivê-lo, sentí-lo.

Estátuas são feitas de pedra. Potes são feitos de barro. O artesão e artista não foge da crude matéria prima. Ele transforma-a em algo que lhe trás realização. Também da mesma forma podemos usar a nossa dor e esculpi-la, transformá-la em liberdade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Bruno!
Bom Dia com PAX e LUZ!
Obrigado pela partilha!
“Porque acho que só teremos um futuro se tivermos a coragem de o fazer”.
“Quando olho para dentro de mim vejo que eu não sou nada, isso é sabedoria. Quando olho para fora e vejo que eu sou tudo, isso é amor. Entre ambos transita a minha vida “
(Mestre Vedante Nisargadatta)
Um abraço Fraternal
José Reis