diluindo a confusão no ondular

A Civilização, o Ego e o Medo

In Hoc Signo Vintes de Zdzisław Beksiński
Vou com este texto tentar explicar qual a relação entre a Besta/civilização, o Ego e o medo.

O que é o Ego?

O Ego é um mecanismo, ou um filtro, que a nossa mente cria para se manter sintonizada com a realidade em que vivemos. O Ego está constantemente a fazer uma censura do infinito de informação e sensações que nos rodeiam, permitindo apenas captar os sinais que estão de acordo com o nosso programa mental, ou seja, crenças, padrões de comportamento, educação, etc., que assimilámos desde o início da nossa vida, e que são muito importantes para a integridade psicológica da pessoa.
Todos nós precisamos de certa forma de fazer sentido da nossa realidade, pois é uma necessidade básica que deriva do nosso instinto de sobrevivência. A maior parte das pessoas depende muito do seu programa mental para fazer sentido da sua realidade porque mantêm uma atitude fechada a outras ideias, formas de estar, experiências diferentes, e vão assim agarrar-se ao seu programa mental, ou Ego, e defendê-lo custe o que custar. O Ego é um filtro que funciona para os sinais exteriores, mas também pode funcionar como filtro para os sinais interiores que o nosso inconsciente nos envia em forma de emoções, sentimentos, intuições. Esta censura que o Ego faz dos sinais interiores constitui um dos principais factores que mantém o homem adormecido da sua verdadeira natureza.

Todos nós precisamos de ter um ego definido. Sem um ego, seria muito difícil funcionar no dia a dia. Poderíamos, por exemplo, durante o almoço levar o garfo com comida à boca do nosso colega a pensar que era a nossa boca. 

Se estamos interessados em viver como seres humanos de forma saudável e em harmonia com a Natureza precisamos de um Ego saudável. Precisamos dele para que a nossa Consciência se mantenha estável e confiante com o corpo e mente que ocupa. Falo disto porque não quero deixar a ideia errada de que temos que "aniquilar" o Ego permanentemente a fim de despertar. É bom experienciarmos estados de Consciência livres deste filtro, mas a maior parte do tempo que passamos vivos estamos num estado normal de Consciência e precisamos do filtro para interagir com o nosso mundo físico e com outras pessoas.

Relação entre o Ego e a Besta

Quando me refiro à Besta, não quero dizer que existe algum tipo de demónio, diabo, ou entidade sobrenatural com más intenções por trás de tudo. Uso o termo "Besta" para, primeiro, clarificar a minha atitude e ideia face à civilização de hoje, e que é possível observar pelo impacto que esta produz no planeta ao comportar-se de modo irresponsável. Em segundo lugar, porque vejo o aglomerado de seres humanos que mantêm esta civilização operacional como estando possuídos por uma ignorância profunda sobre a nossa verdadeira natureza e sobre a realidade tal como ela realmente É. 

A criança vai começar a formar o seu Ego utilizando para tal como matéria prima as suas experiências e educação que recebe do seu meio-ambiente criado pela sua família, e depois mais tarde na sua escola. Esta educação tem como base os valores de uma civilização que não estão em harmonia com a Verdade nem com a Lei Universal, ou Natureza.

Todos os seres humanos que desta forma adquirem um filtro ou Ego formado não por ele próprio ou por pessoas conscientes do que significa realmente sermos humanos, mas por agentes que trabalham para a manutenção da civilização; não com base em valores de liberdade ou em harmonia com a Natureza, mas de acordo com os interesses da civilização, vão assim tornar-se os futuros operadores, técnicos e consumidores que mantém esta máquina destruidora - a civilização - em funcionamento.

É realmente um grande problema abordar um ser humano que está prisioneiro do programa mental da civilização. Porque uma das ilusões que a civilização nos transmite é a ideia de separação. A ideia ilusória que nós estamos separados, somos diferentes, ou que somos mais importantes que o resto da humanidade ou da Natureza. Esta ideia absurda de separação vai justificar depois um comportamento completamente idiota, consumista, ignorante, egocêntrico, superficial e passivo. Nada importa para este tipo de pessoa senão a sua própria satisfação pessoal, a sua sobrevivência, mantendo a sua ignorância ou o seu programa mental intacto de influências externas que não estejam em harmonia com a atitude geral da sociedade. 

Este é um dos problemas fundamentais com a educação de uma criança, com o programa mental que vai moldar o seu Ego, que é esta ideia de separação entre nós e a Natureza. Na realidade não há qualquer separação. E isto não apenas é uma ideia espiritual, filosófica ou religiosa. Através do estudo da Natureza e dos seus ecossistemas é possível constatar que a Vida na Terra funciona como um organismo, no qual as suas partes dependem umas das outras. Assim como o nosso corpo possuí diferentes células e mecanismos que, apesar de estudados e catalogados separadamente, trabalham em conjunto para o bem do organismo, também podemos dizer que nós fazemos parte de um organismo maior, e mais inteligente que nós. Existe, por exemplo, uma relação muito forte entre o mundo vegetal e o ser humano. A árvore partilha grande parte do nosso ADN. As árvores fornecem-nos oxigénio enquanto que respiram hidrogénio. Nós respiramos esse oxigénio e vamos expirar o hidrogénio que a árvore precisa. Partindo deste ponto de vista em que compreendemos a interdependência dos vários elementos no mundo natural, podemos depois passar para questões mais filosóficas e espirituais em direcção à Verdade, e a um despertar para a realidade da Vida.

O medo

A crença absurda que é passada para a criança e que esta vai incorporar no seu Ego, de que nós estamos separados da realidade, vai também contribuir para uma ignorância, a nível espiritual, sobre o que significa morrer. Esta ignorância existe porque para percebermos o que significa morrer é necessário primeiro percebermos o que significa viver. A Vida, a nossa realidade e o Cosmos não são coisas diferentes, são apenas Uma. Por isso, um ser humano ignorante da sua ligação com o Todo, agarrado à ideia de separação, não vai compreender o que significa viver e vai temer ou ignorar a ideia de que vai um dia morrer, procurando constantemente refugiar-se no que lhe foi ensinado a fazer: consumir, divertir-se, trabalhar, consumir, etc. É este o estado geral da civilização. 
Não digo que é possível saber o que acontece na morte, ou o que existe depois. Mas é possível perceber quem e o que é que somos, e este saber leva-nos ao conhecimento de que na morte do corpo físico não há nada que se possa dizer que acaba. "Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Não é um saber intelectual, é um saber intuitivo que todos nós transportamos connosco na base do nosso Ser. O despertar é a recuperação desse saber intuitivo que fazia parte de nós em criança, antes da programação mental. Esse saber intuitivo, essa criança que foi perdida, é a nossa própria Alma, ou o Verdadeiro Eu. No processo de assimilação do programa mental da civilização, esta presença foi reprimida, esquecida, traída e enviada para o inconsciente onde se encontra adormecida e num estado latente. O medo que este programa mental artificial e limitado nos obriga a sentir daquilo que é desconhecido, combinado com a dor da traição da Alma, criam este Medo/Terror que mantém o Ego fraco, ignorante e incapaz de descobrir a ilusão da sua existência e a realidade da ligação da essência do Ser humano com o Cosmos.

Foi a necessidade de sobrevivência, e o medo instintivo e animal dai resultante que impulsionou o homem primitivo para o estado em que se encontra agora. Esse medo existe hoje no mundo das ideias, conceitos, crenças, percepções, atitudes. Já não se trata de um medo justificável, no sentido em que nos estamos a proteger de um perigo real e físico, como animais selvagens, mas sim de um medo psicológico, que se mantém graças à teimosia do homem em se agarrar ao hábito primitivo de se proteger de um perigo exterior. 

Assim, o medo que antes tínhamos do perigo físico de morte, hoje existe como o medo de olharmos para a realidade tal como é, e de reconhecermos o que significa viver. É um medo de perder o Ego, de ver o nosso programa mental artificial ser destruído. Para manter esse medo afastado, o homem comum teima em proteger, cumprir e identificar-se com esse programa mental da civilização. Esta identificação, assim como a ilusão do conforto doméstico, consumismo, a ilusão de que a ciência, política e religião possuem todas as respostas para os problemas da sociedade, vão fornece-lhe alguma paz de espírito. E, mesmo que tudo corra mal e sigamos um caminho de destruição, para o homem adormecido isso não interessa pois já não estará vivo para enfrentar esse mundo caótico que será legado à geração seguinte. Mesmo neste ponto o homem é egoísta. Seria de esperar que alguém com algum tipo de bom senso, inteligência, e compaixão, até pelos seus filhos, se preocupasse com o mundo que está a deixar para as próximas gerações. Mas o medo que controla os corações dos homens de hoje, obriga-os a protegerem a sua irracionalidade, a sua ignorância, ou seja, o seu programa mental e ligação com a civilização.

Qual é a solução?

Não existe uma solução que se possa transformar numa teoria, numa religião ou até num movimento. A verdadeira solução não consiste em saírmos para as ruas e criticar os governos, ou adoptarmos comportamentos violentos. Antes de tudo, é preciso compreendermo-nos a nós próprios. O Ser humano adormecido precisa de fazer um esforço para ouvir a voz que afundou nas profundezas do seu inconsciente, no esquecimento. É preciso fazermos uma pausa nas nossas vidas barulhentas, procurar a solidão, escutar a Natureza para, nesse silêncio, ter a oportunidade de voltar a escutar essa intuição, essa voz que é a nossa Alma, ponto de ligação com o Cosmos, que procura falar connosco, que pede a nossa atenção, e que é quem nós somos verdadeiramente. É a voz da criança que uma vez fomos e que compreendia a Vida, a Unidade de todas as coisas, e que foi traída. É dessa forma que se inicia o caminho em direcção ao despertar. Mas primeiro é preciso um esforço, é preciso ter coragem para enfrentar e transcender esse medo interior, esse condicionamento que nos foi imposto pela família e sociedade - o Ego, e assim ver a Verdade daquilo que É, tal como É.

3 comentários:

Francisco Gomes disse...

Boa leitura.

Contínua!

Anónimo disse...

Obrigado pela partilha deste BELO texto
Nossa consciência tem que servir de "filtro" a todas as sensações, emoções, que chegam aos nossos egos…
Fraternalmente
José

Anónimo disse...

tanks Wawa