diluindo a confusão no ondular

A Besta em Nós e no Mundo

Buda pacifica um elefante em fúria
Podemos sempre ver a vida sobre várias perspectivas. Se acreditarmos, qualquer uma delas nos parecerá real. Uma perspectiva interessante sugere que o pensamento e a razão humanas são uma especialização da Natureza em resposta à necessidade de sobrevivência.

A existência é um fardo enorme e pode-se tornar mesmo um inferno quando vivemos sob o peso do medo e a necessidade de defesa. Quando vemos o que o homem teve que enfrentar no início da sua caminhada é possível sentir uma certa compaixão por ele. Basta ver por exemplo a primeira parte do filme 2001: Odisseia no Espaço. O homem primitivo, como animal que era, lutava diariamente pela sua sobrevivência. De todos os lados espreitava o perigo que tanto ameaça a directiva principal presente em qualquer ser vivo: SOBREVIVER. É daqui que nasce o nosso medo.

A habilidade humana para manipular condições, materiais, criar ferramentas, antecipar potenciais ameaças futuras tomando depois certas precauções, foi-nos dada pela Natureza para responder à nossa necessidade de sobrevivência.

É a partir deste momento, na pré-história, que nasce uma Besta cega e bruta que, à medida que o tempo avança, vai ganhando cada vez mais poder e capacidade de modelar o seu meio-ambiente, aumentando as suas hipóteses de sobrevivência e sobrepondo-se a outras espécies; é desta forma que o homem passa para o topo da cadeia alimentar.

Este passado do homem parece ter sido traumático e nós, como seus filhos, herdámos muito do seu mundo, especialmente o seu medo. Este funciona hoje como um coágulo de energia negativa ou memória obscura presentes nas profundezas da consciência humana colectiva, a sombra. Esta energia negativa molda as nossas atitudes, consciência e personalidade, e graças a um processo de causalidade, funciona como um vírus psíquico que é transmitido de geração em geração através da educação.

Este medo foi e continua a ser a principal força modeladora da civilização humana. Toda a actividade humana no passado iniciou-se como uma reacção à necessidade de sobrevivência baseada neste medo, mas que nos era útil pois serviu para nos impulsionar a imaginar e criar novas formas de nos protegermos, e assim sobreviver como espécie ao longo dos últimos milhares de anos.

O homem passa de nómada para sedentário, de caçador a agricultor, começando a cultivar o solo e armazenar comida, a manipular o ambiente ao seu redor e a domesticar animais. Deste novo estilo de vida inicia-se um processo de armazenamento de comida resultando num excedente, proporcionando-lhe desta forma mais tempo para desenvolver as suas capacidades intelectuais, agora que não precisa de constantemente estar alerta e pronto para fugir do perigo ou perseguir a sua presa como nos seus tempos de nómada.

As cidades crescem, a população aumenta, inicia-se a expansão do homem agricultor pelo mundo. Desta expansão e também do armazenamento de bens, surge a necessidade do homem se defender de outros homens. O ser humano ganha assim um novo inimigo, ele próprio. Surgem as guerras, conquistas, intrigas, reinados e religiões. O homem mata o homem pelo território, diferenças culturais ou em nome de Deus: surge o Império da Besta.

O Imperador na saga Guerra das Estrelas

Entretanto, graças à estratificação social, política e profissional, dá-se um aumento de eficiência nas actividades humanas e uma aceleração da produção de bens. Esta evolução reflecte-se num maior conforto, conhecimento cientifico, e esperança média de vida. Por outro lado, a densidade populacional vai aumentando.

É então que o homem, tendo conquistado a Natureza, olha para si próprio com orgulho, seguro dos seus valores éticos e morais, considera-se o dono e senhor do planeta. Vê-se assim no direito de explorar e dominar não só as outras espécies animais como também culturas humanas mais primitivas, expandindo o seu império que ele considera "civilizado" e guiado por Deus. Em nome do progresso e de Deus, o homem civilizado mata, explora, provoca mais guerras, e engendra formas cada vez mais eficientes de exploração e destruição em massa.

Hoje vemos que a civilização humana, a sua tecnologia, ciência, hábitos, estão propagados por todo o planeta. Atingimos o número absurdo de 7 biliões de habitantes. As florestas estão a ser derrubadas a um ritmo exponencial, os oceanos cada vez mais poluídos, e há mais e mais espécies extintas. E continuamos ainda assim orgulhosos do progresso tecnológico, queremos prolongar a vida, ter mais filhos, explorar novos mundos, absorver mais conhecimento, desenvolver novas formas de entretenimento, a consumir mais comida do que o necessário para a nossa sobrevivência. Paralelamente, uma outra parte da raça humana no terceiro mundo, 80% da população mundial, vive no limiar da pobreza.

Toda esta cegueira e falta de tacto na actividade humana, resultam deste medo presente nas nossas consciências e que adoptámos do nosso antepassado primitivo: o instinto de sobrevivência, o medo de não ter o suficiente, o impulso para o controlo, domínio, subversão... É um comportamento algo animal e irracional, conhecido no ser humano como o Ego. Hoje em dia, a sua acção é mais subtil mas mais destrutiva, podemos vê-la na manipulação de massas via controlo e compartimentalização de informação, propaganda, marketing, economia, multinacionais, militarização etc. Podemos descobrir este ego demente através do seu comportamento contraditório, tanto à escala individual como colectiva. À escala individual podemos ver um homem triste por dentro, oprimido, hipnotizado pelo consumismo, enraivecido, angustiado e com um ódio de si próprio, mas mostrando no exterior uma máscara de calma e normalidade. Esta incompatibilidade entre interior e exterior produz uma tensão enorme e por vezes leva-o a comportamentos extremos, assassinos, narcisísticos e masoquistas. A nível global podemos ver por exemplo a ciência a procurar planetas iguais à Terra enquanto ignoramos o nosso que tanta atenção merece; a obsessão com o mundo quântico e a descoberta da origem da realidade; um excesso de produção e variedade de produtos de consumo necessários apenas para egos vaidosos e vazios; um gasto enorme de recursos e dinheiro em tecnologia e manutenção da máquina militar por todo o mundo etc. Confio que com algum esforço e investigação os leitores deste texto poderão descobrir muitas mais contradições.

Do homem primitivo para o moderno. Pouco muda.

À medida que o homem se afasta do seu passado, e de um ambiente de perigo constante, para um ambiente de previsibilidade e artificialidade, algo continua igual: o impulso de sobrevivência, o medo. Apesar de toda a sua mudança no exterior, desenvolvimento científico e tecnológico, interiormente o homem continua dominado pelo mesmo impulso que o levou a usar pela primeira vez um osso para matar outro animal, com a diferença de que hoje se encontra disfarçado por uma camada de arrogância intelectual que o mantém longe da sua realidade espiritual. Hoje, em vez do osso, usamos a caneta, o papel verde com números ou dígitos num écran, projécteis de metal, estratégias de manipulação social e política, mentiras, distracções. Em vez de extrairmos apenas o suficiente da Natureza para sobrevivermos, exterminamos espécies e ecossistemas inteiros, em troca de casacos de peles, panças cheias, contas bancárias repletas de dígitos num écran, brinquedos fálicos e soldadinhos de chumbo para certos senhores velhos poderem brincar às guerras com outros senhores velhos.

Os soldadinhos de chumbo humanos

A Besta humana que nasceu na pré-história, já não cavalga em direcção ao abismo, vai de foguete, e cada vez mais rápido. Esta besta não consegue parar, tal é o seu peso, tamanho e cegueira.

O melhor que um ser humano pode fazer individualmente é despertar desta cegueira, deste sono onde nasceu, enfrentar a Besta interior e transformá-la, curá-la. É necessário divorciarmo-nos de um programa mental que nos foi inculcado desde criança, com o propósito de nos transformar em autómatos produtores de objectos de consumo, escravos de um nível de consciência propositadamente mantida ao mais baixo nível para nos impedir de ver a realidade tal como ela É.

O Rebelde Desconhecido

Depois de despertar, é da nossa responsabilidade virarmo-nos para a Besta colectiva e fazer o melhor que pudermos tendo em conta as nossas capacidades e possibilidades. Sermos como o Buda que parou o elefante enraivecido ou como o ‘Rebelde Desconhecido’ que sozinho enfrentou uma marcha de tanques. Desde sempre existiram e continuam a existir homens e mulheres que procuram apaziguar a Besta e despertar outros indivíduos para a realidade em que vivemos, através da sua arte, espiritualidade, intelecto, comédia, música e coragem. Fazêmo-lo porque, uma vez divorciados do mundo, podemos observá-lo de uma perspectiva mais alargada, e contemplar por fim o trajecto da besta. Então saberemos qual será o nosso destino se não despertarmos a tempo...
"Todas as criaturas existem com um propósito. Mesmo uma formiga sabe qual o seu propósito, não com o seu cérebro, mas de alguma forma ela sabe. Apenas os seres humanos chegaram a um ponto onde já não sabem porque existem. Eles não usam os seus cérebros e esqueceram-se do conhecimento secreto dos seus corpos, dos seus sentidos, e dos seus sonhos. Eles não usam o conhecimento que o Espírito colocou em cada um deles, nem dele têm consciência, e assim eles tropeçam cegamente na estrada para lugar nenhum - uma estrava pavimentada que eles próprios constroém e alisam para que possam chegar mais rápido ao grande buraco vazio que encontrarão no final e que os espera para os engolir. É uma via rápida, uma autoestrada confortável, mas eu sei onde esta os levará. Eu já vi esse destino. Eu estive lá na minha visão, e tremo só de pensar sobre isso."
Lame Deer Seeker of Visions
Hoje mais do que nunca, através de mudanças profundas que estão a acontecer a todos os níveis na experiência de vida na Terra e na consciência humana, temos uma oportunidade única de poder ajudar um maior número de pessoas a despertar, tornando assim o Império da Besta mais frágil e impotente.

Mára (a Besta) aprisionando o mundo humano (samsara)

É necessário compreendermos que na realidade não há motivo para vivermos dominados pelo medo, não há motivo para continuar a lutar, julgar e enganar outros, calcular, obter mais, conquistar. Já não temos mais inimigos. O que de mais precioso existe está presente neste momento dentro e fora de nós, é o que nos pode unir, é o que todos temos em comum, uns com os outros, com animais, plantas: estamos todos vivos neste sonho da Vida e a qualquer momento podemos mudar o rumo do sonho, basta fazer uma escolha entre a identificação com a Besta, continuando a viver com medo e seguindo um caminho de destruição, ou o caminho do despertar e da Consciência.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigado pela partilha deste BELO texto.
A libertação dos nossos medos… depende mais de renúncias internas do que externas…
Fraternalmente
José