diluindo a confusão no ondular

O Sabor da Verdade


 "O único livro digno de ser lido, é o Coração."
Ajahn Chah

Eu gosto de mel. Tem um sabor muito característico, diferente de qualquer outro tipo de doce ou açúcar. Adoro comer crepes com mel. É incrível que esta dádiva da Natureza venha do mundo dos insectos. Normalmente quando pensamos em insectos vêm-nos imagens de moscas, mosquitos chatos, e outras coisas voadoras barulhentas e irritantes. Mas existem estes seres conhecidos como abelhas que através de um processo alquímico natural e misterioso, transformam o néctar e pólen das flores neste cremoso e delicioso liquido. É fantástico!

Podia dedicar este texto simplesmente a descrever o sabor do mel e o impacto que este tem em mim. Mas acho que por mais que escrevesse, por mais esforço que dedicasse a essa descrição, nunca chegaria perto da essência do sabor do mel.

Aliás, podíamos pegar nos mais inspirados poetas que alguma vez existiram, nas mais brilhantes mentes científicas, nos mais puros santos, podíamos sentá-los numa mesa redonda e pedir-lhes para que em conjunto escrevessem um livro com a melhor descrição possível deste sabor, para que quem quer que o lesse ficasse a conhecê-lo perfeitamente, sem ter alguma vez de o provar.

Mas é claro que mesmo que tal fosse possível, quem quer que lesse essa descrição, continuaria na ignorância sobre o verdadeiro sabor do mel. E aliás poderia até ficar confuso, ou iludido, convencido de que como leu o livro, já não precisaria de provar o mel nem arriscar enfrentar as abelhas que o protegem nas suas colmeias.

Para realmente conhecermos este sabor, só há uma solução: abrir um frasco de mel, mergulhar uma pequena colher (ou grande) e levar esta substância viscosa à boca. Só a partir deste momento podemos realmente compreender, por nós mesmos, o que se estava a tentar explicar na descrição deste sabor. E percebemos assim que ler esse livro foi uma perda de tempo, quando poderíamos simplesmente provar o mel.

Sempre que tento escrever um texto para este blog, confronto-me com uma tarefa complicada. Primeiro porque para mim não é fácil escrever, é preciso alguma confiança, pois este é um blog que está aberto a qualquer pessoa que navegue na Internet, e como tal sou confrontado com as minhas inseguranças, receios, e com o meu Ego.

Mas principalmente é difícil porque gosto de chegar sempre à essência do que quero realmente exprimir, não gosto de divagar nas fronteiras, nos arredores desse algo. Gosto de apontar directamente para a essência da questão, para que não fiquem dúvidas, para que se possa compreender com clareza o que quero exprimir.

O que me levou a criar e escrever este blog foi a ideia errada de que era possível, através das palavras, explicar o sabor do mel de forma a que não restassem dúvidas sobre esse sabor.

No entanto, a experiência de estar vivo tem vindo a mostrar-me que é impossível trazer essa essência do que se quer exprimir ao mundo das palavras, conversas, ideias, teorias, ou qualquer outra forma de expressão intelectual. O melhor que podemos fazer são aproximações.

Claro que quem já tenha lido este blog antes, sabe que não não escrevo sobre culinária, insectos ou apicultura. O que eu faço aqui é tentar descrever o sabor de outro tipo de mel, infinitamente mais delicioso, mas também por vezes venenoso se não formos verdadeiros connosco.

A essência da qual eu falo, e tento sempre trazer para o que escrevo, é Verdade, com um "V" maiúsculo. Não digo Verdade num determinado contexto, porque a Verdade em toda a sua plenitude não reconhece contextos, fronteiras, barreiras, palavras ou qualquer outro tipo de limitação.

O sabor do mel para ser compreendido tem que ser experienciado, e para ser experienciado, o mel tem que ser descoberto e depois levado à boca.
A Verdade para ser compreendida tem que ser experienciada, e para isso tem que ser descoberta e levada à "boca".

Uma coisa que eu posso dizer que sei, com humildade, mas também com 100% de certeza absoluta, é que essa Verdade não está em lado nenhum. Não está em palavras, teorias, números ou na música; nem nos gurus, religiões, crenças ou superstições; não está no Céu, na Terra ou no negro do Cosmos; não está em amigos, em relações ou na família; não está em lugar nenhum que se encontre fora de nós mesmos.

Esta afirmação pode parecer algo negativa, pode parecer que estou a negar o mundo humano, a negar algumas as coisas que nos fazem felizes. Longe disso. Todas estas coisas que neguei têm a sua origem nesta Verdade, mas não são essa Verdade. Podemos procurar em todas elas, explorá-las, levantar todas as pedras que nada será encontrado. Mas há uma pedra que se levantada poderá mostrar-nos o delicioso Mel, mas não está no mundo, não está cá fora, não está no pensamento nem no tempo.

O sítio para onde eu pretendo apontar com esta palavra, Verdade, não é uma verdade metafisica, ou qualquer outro tipo de segredo esotérico.
Apenas quero referir-me ao lugar, ao ponto, onde quando lá estamos, tudo se torna claro. O ponto onde podemos encontrar satisfação incondicional, paz incondicional, compreensão silenciosa. Aquele ponto onde tudo está bem, onde há paz interior, mesmo quando as condições exteriores não são as melhores. Para o encontrar em nós não precisamos de crenças religiosas, nem de filosofias, teorias, opiniões, ou qualquer tipo de esforço intelectual. Apenas precisamos de algum silêncio, um sorriso, respeito, honestidade e amor por nós próprios para o conhecer.

Está no mais improvável, obscuro e solitário de todos os lugares: está dentro de cada um de nós.

Mas para lá chegar temos que enfrentar as abelhas que protegem a colmeia. Temos que enfrentar os nossos medos, a nossa sombra, que nos separa do nosso Coração, onde esta Verdade poderá ser encontrada.

Agora isto pode (ou não) parecer tudo muito bonito, romântico ou poético, mas na verdade, estas palavras são completamente irrelevantes, e continuam a não ser o que realmente pretendo exprimir. Porque tudo o que foi dito são ainda palavras. São afirmações intelectuais e não verdades, ou a Verdade, ou verdadeira compreensão. Isto é, é possível compreender este texto intelectualmente, mas a sua compreensão não é a verdadeira compreensão. Esta é reconhecida na experiência subjectiva de cada um, é compreendida no mundo do sentir, das emoções e sentimentos, ou seja é compreendida e sentida nas nossas entranhas, no Coração e não na cabeça.

Quando eu falo de "Verdade com V maiúsculo" dentro de nós poderá também surgir a ideia de que estou a referir-me a algum estado de consciência cósmico, de onde toda a Verdade sobre a existência humana nos é revelada. Mas ai voltamos depois a cair na ratoeira do intelecto que tanto gosta de conhecer e saber mais coisas, de procurar respostas às suas perguntas. O intelecto muito gosta de verdades que possam caber em livros, frases e teorias. Muito ele gostaria de trazer a Verdade a este mundo das aparências e palavras, reduzi-la de forma a olhar para ela e tocar-lhe. Para que no final, do alto do seu império, pudesse proclamar o seu triunfo final, a conquista do Universo. Mas tal é impossível.

A mim interessa-me muito mais o tema do sofrimento humano do que afirmações metafisicas. Interessa-me procurar apontar para esse invisível que se esconde em todos e em tudo. Para que se reconhecido, possa trazer paz e harmonia. Acredito que os problemas que assolam a raça humana têm a sua origem na deficiência ou ausência do reconhecimento desta simples Verdade interior, neste simples bem estar, que é Natural. Todos nós nascemos com Ela, ligados a Ela, mas quando caímos nas entranhas deste mundo de alguma forma perdê-mo-la. Ou esquecemo-nos dela, ou de quem realmente somos, porque somos Ela. Tudo o resto é ilusão, é pensamento, nomes, limites, barreiras, distorção.

A ilusão na qual a humanidade caiu, graças à sua amnésia colectiva, pertence mais ao mundo mental, e poderá ser reconhecida e transcendida. O que nos poderá tirar desta ilusão? Nós próprios, depois de descobrir e levar à boca esse delicioso e sagrado mel, a nossa Alma. Depois de o provar não restarão dúvidas. Mas teremos que ser nós, sozinhos, a fazê-lo.

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